sábado, 3 de março de 2012

Menos modismo e mais criatividade por favor!

Fui convidado pelo destrambelhado Aloprado Alonso e acho que também pelo Leonardo Levi a ser colaborador desse jornaleco de internet que eu pensei que seria de quinta categoria.

Acho que me enganei. Está na liderança das postagens um artigo sobre Nietzsche para meu espanto! Não está liderando aqueles posts de humor tosco nem texto inúteis do Alonso. Que milagre!. Embora eu seja ateu e não acredite em milagres!

Pelo menos esse meio midiático tem uma vantagem: É livre de modismos e unilateralidades políticas e religiosas dentre outras que assolam a sociedade. Isso é muito salutar para que possamos divulgar nossa livre expressão de pensamento em face do que estamos vivendo com ditadura da ignorância dos BBBs, do Pânico, do Domingão do Faustão e outros programas inúteis.

Todo esse projeto me remete ao livro de Karl Marx - Liberdade de Imprensa - e sua ótica da necessidade de sobrevivência da informação ou de ações políticas e culturais que se encaminhem para uma produção jornalística ou de manifestação de idéias que alimente o intelecto e a crítica racional.

Chega de vender nossos pobres neurônios para programas de TV sem sentido, revistas de fofocas, escritores de auto ajuda e outros assassinos do nosso poder de pensar, raciocinar e apender!

Como professor que fui a vida toda creio que isso seja a maior banalização da inteligência e potencial humano: Viver de acordo com o que a moda prega. Tenhamos mais originalidade e lutemos contra isso.

Nesse campo eu endosso o que o Leonardo Levi escreveu em seu artigo - Inspiração para escrever - temos que desbordar os esquemas do modismo que nos leva a ser apenas questionadores duma única visão e questionar todas! Temos que criar sempre olhando para trás e refletindo ou questionando, olhando para o agora e agindo criativamente também com reflexão e questionamento e mirando com tudo isso um futuro melhor para a humanidade.

Acreditem nisso por favor e sejam criativos no grau máximo que puderem!

Vou deixar por aqui os meus palpites e questionamentos quando puder e espero que todos prestigiem todos os colaboradores desse blog que nasceu do misto de amizades, desigualdades ideológicas, e criatividade de seus fundadores!

Parabéns para todos nós!






sexta-feira, 2 de março de 2012

O preconceito dos filósofos


Fonte: Para Além do Bem e do Mal



1. 
O amor pela verdade que nos conduzirá a muitas perigosas aventuras, essa famosíssima veracidade de que todos os filósofos sempre falaram respeitosamente — quantos problemas já nos colocou! E problemas singulares, malignos, ambíguos! Apesar da velhice da estória, parece que acaba de acontecer. Se acabássemos, por esgotamento, sendo desconfiados e impacientes, que haveria de estranho? É estranhável que essa esfinge nos tenha levado a nos formular toda uma série de perguntas? Quem afinal vem aqui interrogar-nos? Que parte de nós tende "para a verdade?" Detivemo-nos ante o problema da origem dessa vontade, para ficar em suspenso diante de outro problema ainda mais importante? Interrogamo-nos sobre o valor dessa vontade. Pode ser que desejamos a verdade, mas por que afastar o não verdadeiro ou a incerteza e até a ignorância? Foi a problema da validade do verdadeiro que se colocou frente a nós ou fomos nós que o procuramos? Quem é Édipo aqui? e quem é a Esfinge? Encontramo-nos frente a uma encruzilhada de questões e problemas. E parece, afinal de contas, que não foram colocados até agora, que fomos os primeiros a percebê-los, que nos atrevemos a confrontá-los, já que implicam um risco, talvez o maior dos riscos.

2.
Nossas mentes rechaçam a idéia do nascimento de uma coisa que pode nascer de. uma contrária, por exemplo: a verdade do erro; a vontade do verdadeiro da vontade do erro; o ato desinteressado do egoísmo ou a contemplação pura do sábio, da cobiça. Tal origem parece impossível: pensar nisso parece próprio de loucos. As realidades mais sublimes devem ter outra origem, que lhes seja peculiar. Não pode ser sua mãe esse mundo efêmero, falaz, ilusório e miserável, esta emaranhada cadeia de ilusões, desejos e frustrações. No seio do ser, no qual não morrerá nunca, num deus oculto, na “coisa em si” é onde deve se lobrigar seu princípio, ali e em nenhuma outra parte. Este é o preconceito característico dos metafísicos de todos os tempos, este gênero de apreciação se encontra na base de todos seus procedimentos lógicos. A partir desta "crença" esforçam-se em alcançar um “saber”, criam a coisa que, afinal, será pomposamente batizada com o nome de "verdade". A crença medular dos metafísicos é a crença na antinomia dos valores. Nem aos mais avisados dentre eles ocorreram dúvidas desde o início, quando teria sido mais necessário: ainda que tivessem feito vota "de onnibus dubitandum". Entretanto, deve-se duvidar, imediatamente, da existência de antinomias; depois dever-se-ia perguntar se as valorações e as oposições de valores usuais às quais os metafísicos apuseram seu sinete, não são apenas valorações superficiais, perspectivas momentâneas, tomadas a partir de um ângulo determinado, perspectivas de peixe, no faizão dos pintores. Qualquer que seja o valor que concedamos ao verdadeiro, à veracidade, ao desinteresse, poderia acontecer que nos víssemos obrigados a atribuir à aparência, à vontade da ilusão, ao egoísmo e à cobiça, um valor superior e mais essencial à vida; poder-se-ia chegar a supor inclusive que as coisas boas têm um valor pela forma insidiosa em que estão emaranhadas e talvez até cheguem a ser idênticas em essência às coisas más que parecem suas contrárias. Talvez! ... mas há quem se preocupe com esses perigosos 'talvez'? Esse terá que esperar a chegada de uma nova espécie de filósofos, diferentes em gostos e inclinações a seus predecessores: filósofos do perigoso 'talvez', em todos os sentidos da palavra. Falo com toda sinceridade, pois vejo a vinda desses novos filósofos...

3.
Terminei por acreditar que a maior parte do pensamento consciente deve incluir-se entre as atividades instintivas sem se excetuar a pensamento filosófico. Cheguei a essa idéia depois de examinar detidamente o pensamento dos filósofos e de ler as suas entrelinhas. Ante esta perspectiva será necessário revisar nossos juízos a esse respeito, como já o fizemos a respeito da hereditariedade e as chamadas qualidades 'inatas'. Assim como o ato do nascimento tem pouca importância relativamente ao processo hereditário, assim também o "consciente" não se opõe nunca de modo decisivo ao instintivo. A maior parte do pensamento consciente de um filósofo está governada por seus instintos e forçosamente conduzido por vias definidas. Atrás de toda lógica e da aparente liberdade de seus movimentos, há valorações, ou melhor, exigências fisiológicas impostas pela necessidade de manter um determinado gênero de vida. Daí a idéia, por exemplo, de que tem mais valor o determinado que o indeterminado, a aparência menos valor que a "verdade". Apesar da importância normativa que tem para nós, tais juizes poderiam ser apenas superficiais, uma espécie de tolice, necessária para a conservação de seres como nós. Naturalmente, aceitando que o homem não seja, precisamente, a "medida das coisas"...

4.
A falsidade de um juízo não pode constituir, em nossa opinião, uma objeção contra esse juízo. Esta poderia ser uma das afirmativas mais surpreendentes de nossa linguagem. A questão é saber em que medida este juízo serve para conservar a espécie, para acelerar, enriquecer e manter a vida. Por princípio estamos dispostos a sustentar que os juízos mais falsos (e entre estes os "juízos sintéticos a priori") são para nós mais indispensáveis, que o homem não poderia viver sem as ficções da lógica, sem relacionar a realidade com a medida do mundo puramente imaginário do incondicionado e sem falsear constantemente o mundo através do número; renunciar aos juízos falsos eqüivaleria a renunciar à vida, a renegar à vida.Admitir que o não-verdadeiro é a condição da vida, é opor-se audazmente ao sentimento que se tem habitualmente dos valores. Uma filosofia que se permita tal intrepidez se coloca, apenas por este fato, além do bem e do mal.

5.
O que nos incita a olhar todos os filósofos de uma só vez, com desconfiança e troça, não é porque percebemos quão inocentes são, nem com que facilidade se enganam repetidamente. Em outras palavras, não é frívolo nem infantil indicar a falta de sinceridade com que elevam um coro unânime de virtuosos e lastimosos protestos quando se toca, ainda que superficialmente, o problema de sua sinceridade. Reagem com uma atitude de conquista de suas opiniões através do exercício espontâneo de uma dialética pura, fria e impassível, quando a realidade demonstra que a maioria das vezes apenas se trata de uma afirmação arbitrária, de um capricho, de uma intuição ou de um desejo intimo e abstrato que defendem com razões rebuscadas durante muito tempo e, de certo modo, bastante empíricas. Ainda que o neguem, são advogados e freqüentemente astutos defensores de seus preconceitos, que eles chamam "verdades". E ainda que não o creiam, estão muito longe de possuir o heroísmo próprio da consciência que se confessa a si mesma sua mentira, isto é, muito longe do valor que se deseja ouvir, seja para advertir um amigo ou para colocar em guarda o inimigo ou para burlar a si mesmo. A hipocrisia rígida e virtuosa com que o velho Kant nos leva por todas as veredas de sua dialética para nos induzir a aceitar seu imperativo categórico, é um espetáculo que nos faz sentir o imenso prazer de descobrir as pequenas e maliciosas sutilezas dos velhos moralistas e dos pregadoresSomemos a tudo isso o malabarismo, pretensamente matemático, com que Spinoza termina por escudar e mascarar sua filosofia, tratando de intimidar assim, desde o princípio, a audácia do assaltante que se atreve a pôr os olhos numa virgem invencível: Palas Atenéia. Como se pode ver através de tão pequeno broquei e inútil máscara, a timidez e a vulnerabilidade de um ente doente e solitário.

6. 

Passo a passo, fui descobrindo que até o presente, em toda grande filosofia se encontram enxertadas não apenas a confissão espiritual, mas suas sutis "memórias", tanto se assim o desejou seu autor quanto se não se apercebeu disso. Mesmo assim, observei que em toda filosofia as intenções morais (ou imorais) constituem a semente donde nasce a planta completaCom efeito, se queremos explicar como nasceram realmente as afirmações metafísicas mais transcendentes de certos filósofos, seria conveniente perguntar-nos antes de tudo: A que moral querem conduzir-nos? A resposta, a meu ver, é que não se pode crer na existência de um "instinto do conhecimento", que seria o pai da filosofia. Pelo contrário, acredito que outro instinto tenha se servido do conhecimento (ou do desconhecimento) como instrumento, porém se examinássemos os instintos fundamentais, no homem, no intento de saber até que ponto os filósofos puderam divertir-se em seu papel de gênios inspiradores (de daimons ou de duendes), veríamos que todos fizeram filosofia um dia ou outro, e que cada um deles considera sua filosofia como fim único da existência, como dona legítima dos demais instintos. Pois não é menos certo que todo instinto quisesse chegar ao predomínio e, enquanto tal, aspira a filosofar. Pode, entretanto, acontecer doutro modo, inclusive "melhor" se se desejar entre os sábios, entre os espíritos verdadeiramente científicos, porque, penso, talvez haja neles algo parecido ao instinto do conhecimento, algo parecido a uma pequena peça de relojoaria independente e, bem montada, cumpra sua tarefa sem que os demais instintos do sábio participem dela de modo essencial. De acordo com o que vemos e pensamos, os verdadeiros "interesses" do sábio se encontram geralmente noutra parte: por exemplo, na política, na sua família, no seu meio de subsistência. Daí torna-se inclusive indiferente que o sábio aplique seu pequeno mecanismo a um determinado problema científico, e pouco importa que o sábio do "porvir" (jovem sábio) se converta num bom filósofo, num bom conhecedor de cogumelos ou num bom químico. No filósofo, nada há que possa ser considerado impessoal. Quanto à sua moral, oferece particular e muito especialmente um testemunho claro e decisivo do que é, quer dizer, da hierarquia que seque nele os instintos mais íntimos de sua natureza.

7. 
Até que grau pode chegar a malícia dos filósofos? Repassando a história da pensamento filosófico, talvez não se encontre nada mais venenoso que a glosa que Epicuro se permitiu contra Platão e seus seguidores: chamava-os dionysiokolakes. Esta palavra significa etimologicamente, e à primeira vista "aduladores de Dionísio" isto é, literalmente expressando: "esbirros do tirano", vis cortesãos, porém significa ainda, que não eram mais que simples comediantes, sem a menor sombra de seriedade (uma vez que Dionysokolox era uma designação popular do comediante). Nesta última interpretação, se fazia patente o veneno que Epicuro lançava contra Platão. Sentia-se humilhado pelo porte majestoso, pelas hábeis entradas que tão bem faziam Platão e seus discípulos e que ele não sabia executar, apesar de ter sido autor de 300 volumes de grande valor encerrado no jardim de sua escola de Samos. Por que esta manifestação de maldade? Por despeito e inveja a Platão? O que se pode afirmar, sem dar lugar a dúvidas, é que foram necessários cem anos para que a Grécia descobrisse quem era, na verdade, Epicuro, aquele Deus dos jardins. Supondo-se que tenha chegado a se dar conta.

8.
Portanto, é oportuno repetir afirmativamente que em toda filosofia a "convicção" do filósofo, num preciso momento mostra-se de uma maneira que poderia ser bem expressada através da linguagem de um antigo mistério medieval; "Adventavit asinus pulcher et fortissimus".

9.
Como se enganam aqueles que querem viver "de acordo com a natureza"! Nobres estóicos, que falsas palavras! Com efeito, imaginai um ser moldado pela Natureza, prodigioso à sua imagem, infinitamente indiferente, carente de intenções, e vislumbres de piedade e justiça, fecundo, estéril e incerto, ao mesmo tempo; porém imagina! também o que significa a própria indiferença convertida em poder: poderíeis viver de acordo com essa diferença?Viver é querer ser diferente da Natureza, formar juízos de valor, preferir, ser injusto, limitado, querer ser diferente! Admitindo que o lema "de acordo com a Natureza" signifique no fundo "de acordo com a vida" seria possível que atuásseis de outra forma? Por que então fazer um principio do que já sois, daquilo que podeis deixar de ser?Vede, pois, que em verdade, sucede exatamente o contrário: quando pretendeis desentranhar fervorosamente em a Natureza os preceitos de nossas leis, o que buscais, na realidade, é algo muito distinto do que gostaríeis de encontrar. Os atores de impostura, querendo enganar aos demais, promoveis a vingança de vós mesmos! Vosso orgulho sempre demolida pretende impor à Natureza vossa moral e vosso ideal. Sim, porque desejais que tudo quanto existe se reduza à vossa própria imagem, fazendo uma prodigiosa e eterna apoteose e uma generalização do estoicismo. Porém, apesar de todo nosso amor pela verdade, vos empenhas em ver a Natureza como ela não é, em vê-la estóica, e finalmente, não podeis vê-la de outro modo. Não sei que orgulho limitado me inspira esta Insensata esperança, posto que, ainda que estando conscientes de que sois vosso próprio tirano, insistis em vosso erro, acreditando, que a Natureza se prestará à tirania, como se o estoicismo não fosse também parte da natureza. Tudo isso, entretanto, é uma velha e eterna história, a filosofia, no fundo da Natureza, e seu contexto visível, é apenas esse instinto tirânico: a vontade de potência em seu aspecto mais intelectual, a vontade de "criar o mundo" e implantar nele a causa primeira.

10.
A sutileza, e quase poderia ser dito, a malícia, com a qual em toda Europa é atacado o problema do “mundo real” e do "mundo aparente", dá muito o que pensar e escutar; os que tão-somente ouvem a repetida canção da "vontade do verdadeiro" não têm o sentido da audição muito desenvolvido. Pode ser que, em certos casos, essa "vontade do verdadeiro" chegue a formar parte do jogo; o que não deixaria de ser uma extravagante toleima, e aventureira, um orgulho metafísico empenhado em manter uma posição perdida e que sempre preferiria uma mancheia de "certeza" a uma carrada de insossas possibilidadesTambém pode acontecer que existam fanáticos da consciência, puritanos que preferem morrer sobre uma vã ilusão e não sobre uma incerta realidade. Mas isto não só é nihilismo, mas também sintoma de uma alma que se sente desesperada e fatigada até a morte, por muito valorosa que possam parecer as atitudes de semelhante virtude. Parece, sem dúvida, que nos pensadores mais vigorosos e vivazes, que ainda sentem o desejo de viver, as coisas sucedem de outra forma: esses filósofos não mais concedem crédito à aparência, do que a seu corpo físico, segundo a qual a terra está imóvel, renunciando assim, com fingido bom humor, a seu próprio corpo a seu bem mais seguro (pois há por acaso algo mais seguro do que o próprio corpo?). Quem tem a certeza de que o propósito seja algo mais do que tratar de reconquistar uma possessão de outrora, mais segura que o corpo, um vestígio da antiga crença na "alma imortal" ou no "Deus de antanho", ou quiçá algumas dessas idéias com as quais se vivia melhor, mais seguro, mais alegre, do que com as "idéias modernas"? Esta atitude de desconfiança com respeito às "idéias modernas" consiste em negar-se a acreditar em tudo o que foi construído ontem e hoje. A isto se une, talvez, um ligeiro mal-estar.,um sarcasmo para com esse "bric-à-brac" de conceitos heteróclitos que o chamado positivismo oferece hoje em dia aos consumidores; pois quem possui um gosto refinado sente repugnância frente a essa mescla de feira e esse montão de retalhos que apresentam os filosofastros do real, para quem nada é novo, tampouco verdadeiro. Parece-me que, neste ponto, deve-se dar a razão aos céticos inimigos do real, a esses minuciosos analistas do conhecimento: o instinto que os distancia da realidade presente não foi refutado. Que oferecem os escabrosos caminhos que nos conduzem para trás? O essencial neles não é o retrocesso, mas o fato de que desejem caminhar sozinhos. Com pouco mais de vigor, valentia, de sentido artístico, poderiam ir além, e não para trás.

11.
Segundo me parece, todo mundo se esforça hoje para minimizar a influência real que Kant exerceu na filosofia alemã e por dar importância ao problema do valor que ele mesmo se atribuía; Kant estava extremamente orgulhoso de sua tábua de categorias. Com esta tábua na mão dizia: "Isto é o mais difícil que jamais se empreendeu nas aras da metafísica". Entendamos bem estas palavras: que jamais se empreendeuKant orgulhava-se de ter descoberto no homem uma nova faculdade, a de formular juizos sintéticos "a priori". Reconheçamos que se equivocava neste ponto, mas nem por isso o desenvolvimento e o rápido florescimento da filosofia alemã deixam de ser frutos desse orgulho que incitou a todos os jovens pensadores a descobrir algum outro motivo de orgulho ou pelo menos, algumas "novas faculdades". Bem, reflitamos um pouco, posto que ainda temos tempo. De que modo são possíveis os juizos sintéticos a priori? Perguntava-se Kant. Em poucas palavras, sua resposta foi esta: por meio de uma faculdade. Infelizmente, não se expressou com tanta concisão mas de um modo prolixo, pomposo, com ostensivo luxo de pensamentos obscuros e de linguagem confusa até fazer incompreensível a jocosa tolice alemã que se absconde no fundo desta resposta. Todos se sentiram embriagados da alegria ante a idéia dessa nova faculdade, e o entusiasmo chegou às culminâncias quando Kant descobriu mais uma faculdade moral do homem. Nesta época os alemães eram, todavia, morais, e ignoravam o "realismo político". Esta foi a lua-de-mel da filosofia alemã. Todos os jovens teólogos do seminário de Tübingen se dedicaram à busca de "faculdades" novas. E o que foi não descobriram, nessa inocente época de juvenil riqueza, na qual a fada maligna do romantismo embargava o espírito dos alemães com suas fanfarronices e canções! Não se distinguia ainda entre "descobrir" e "inventar"A principal descoberta foi a da faculdade "supra-sensível". Schelling denominou-a intuição intelectual, satisfazendo assim aos mais fervorosos desejos de seus queridos alemães, cujos corações apenas aspiram à piedade. A pior injustiça que se pode cometer contra esse descontrolado e novelesco movimento que era só juventude — ainda que tenha disfarçado com um véu de idéias cinzentas e senis — seria a de torná-lo a sério e aplicar-lhe, por exemplo, as sanções da indignação moral. Finalmente, envelheceram e o sonho desvaneceu-se. Chegou o momento em que abriram os olhos, haviam sonhado e Kant foi o primeiro. "Por meio de uma faculdade", ou pelo menos, havia querido dizer, mas isto é uma resposta, uma explicação? Ou é simplesmente uma repetição da pergunta? Por que faz dormir o ópio? "Por meio de uma faculdade", pela virtus dormitiva, disse o médico de Molière: "Quia est in eo virtus dórmitiva cuyus est natura sensus assoupire". Creio que é chegado o momento de substituir a pergunta de Kant: "Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?" por esta outra pergunta: "Por que é necessário acreditar nesta classe de juízos?". Devemos lembrar que a conservação de seres de nossa espécie necessita desses juízos que devem ser tidos como verdadeiros, o que não impede por suposição, que possam ser falsos, ou, para sermos mais claros, mais chãos e radicais: os juízos sintéticos a priori não deveriam ser "prováveis". Nós não temos nenhum direito sobre eles, são como tantos outros juízos falsos que pronunciamos. Entretanto, necessitamos considerá-los verdadeiros: isto nada mais é que uma suposição imprescindível para viver. E se todavia deve-se referir à prodigiosa ação que a "filosofia alemã" — espero que todos compreendam o direito às aspas exerceu em toda a Europa, temos de confessar que contribuiu para isso certa virtus dormitiva. Os ociosos de classe alta, os moralistas, os místicos, os artistas, as três quartas partes dos cristãos e os obscurantistas, políticos de qualquer nacionalidade se sentiam ditosos por possuir na filosofia alemã um antídoto contra o sensualismo ainda florescente que transmitia o século anterior a este; em resumo, sensus assoupire ...

12.
A teoria atômica da matéria é uma das coisas melhor rebatidas que existem, e quiçá não exista em toda Europa um só sábio que seja tão ignorante a ponto de conferir-lhe ainda certa importância além daquela de uso doméstico (como meio de abreviação das fórmulas). Em primeiro lugar temos de agradecê-lo ao dálmata Boscovich. Para ele, o átomo é um centro de força que explica todas as propriedades da matéria. E Boscovich foi, com o polonês Copérnico, o maior e mais vigoroso adversário da aparência. Com efeito, se Copérnico logrou fazer-nos crer, contra o testemunho de nossos sentidos, que a Terra não está imóvel, Boscovich nos ensinou a renegar o último artigo de fé que ainda subsistia no terreno da crença nos “corpos”, na “matéria”. E antes que Boscovich, já o havia ensinado Berkeley, o que havia de certo neste último resíduo, nesta parcela ínfima da terra que é o átomo. Foi o maior triunfo jamais alcançado sobre os sentidos. Entretanto, é necessário ir mais além e declarar uma guerra sem quartel contra a tão traída clandestina "necessidade atômica" que continua rondando perigosamente por terrenos insuspeitados, como o faz também a "necessidade metafísica", mais famosa ainda. Dever-se-á sacrificar a esse outro atomismo mais funesto ainda que o cristianismo, e por mais tempo: o atomismo psíquico. Tomo a liberdade de designar assim a crença que converte a alma em coisa indestrutível, invisível, eterna, uma mônada, um atomon. É desta crença que se deve livrar a verdadeira ciência, e toda investigação científica que se proclame como tal. Para o mais, fica claro entre nós que não é necessário suprimir "a alma" de um só golpe e renunciar a uma das mais antigas e veneráveis hipóteses da alma. isto é, idéias como a da "alma imortal", a "alma múltipla", a alma edifício coletivo de instintos e paixões", idéias que desde já reclamam direito de cidadania na ciência. O psicólogo novo, para acabar com a superstição que se multiplicou em torna da noção de alma, lançou-se de certo modo a um novo deserto e a uma nova desconfiança. Provavelmente a tarefa dos antigos psicólogos tenha sido mais alegre e tenha tido mais sorte, porém. apesar disso, o psicólogo novo sente-se por isso mesmo impulsionado, condenado a inventar e talvez — quem sabe? — também a descobrir.

13.
Antes de afirmar que o instinto de conservação é o instinto motor do ser orgânico, dever-se-ia refletir. O ser vivo necessita e deseja antes de mais nada e acima de todas as coisas dar liberdade de ação à sua força, ao seu potencial. A própria vida é vontade de potência. O instinto de conservação vem a ser uma conseqüência indireta, e em todo caso, das mais freqüentes. Resumindo, neste ponto como em outros deve-se desconfiar de princípios teológicos inúteis tais como o instinto de conservação e o esforço de preservar o ser que se deve à inconseqüência de Spinoza. Assim o exige o método, que deve ser essencialmente parco de princípios.

14.
Em nossa época talvez existam cinco ou seis cérebros que começam a suspeitar que talvez a física não seja reais que um instrumento para interpretar e regrar o mundo, uma adaptação para nós mesmos, se nos é permitido dizê-lo, e não uma explicação do universo. Entretanto, na medida em que a física se apóia na crença dos dados proporcionados pelos sentidos, esta vale mais e continuará valendo mais — durante muito tempo — que uma verdadeira explicação. Conta com o
testemunho dos olhos e dos dedos, isto é, a vista e o tato. Numa época de gostos profundamente plebeus oferece uma atração sugestiva, embriagadora, convincente, posto que nosso século adota com extraordinária facilidade as normas do sensualismo eternamente popular. O que há de claro aqui? O que é que parece "claro"? Antes de mais nada o que se pode ver e tocar. Portanto, é preciso levar até esse ponto os problemas. E daí, precisamente, que a oposição à evidência perceptível tenha sido o encanto do pensamento platônico, que era um pensamento aristocrático próprio de homens dotados talvez de sentidos mais vigorosos e exigentes que os de nossos contemporâneos, mas que sabiam saborear um triunfo superior mantendo-se senhores de si mesmos e lançando sobre a heterogênea variedade dos sentidos, como dizia Platão, uma rede de pálidos conceitos de aparência triste e fria. Este modo platônico de submeter ao mundo, de interpretá-lo tinha em si mesmo um gozo de qualidade muito diferente da que nos oferecem os
,físicos de hoje ou esses operários da filosofia, darwinistas e antifinalistas, com seu princípio do "mínimo de energia" que é o máximo de estupidez. "Ali onde o homem não pode ver nem tocar nada, não há nada que procurar", o que não deixa de ser um imperativo muito distinto daquele de Platão, porém adaptável a uma raça dura e laboriosa de futuros mecânicos e futuros engenheiros que apenas tenham de cuidar de trabalhos superlativamente grosseiros.

15.
Para estudar seriamente a fisiologia é preciso afastar-se da idéia de que os órgãos são fenômenos, tal como os considera a filosofia idealista e que, portanto, não poderiam ser causas. Conseqüentemente dever-se-ia aceitar o sensualismo, pelo menos a titulo da hipótese reveladora, para não dizer de princípio heurístico. Como?! Pois não há quem diga que o mundo exterior é obra de nossos órgãos? Sendo assim, nossos próprios órgãos seriam obra de nossos órgãos. Eis aqui o que eu chamaria uma radical reductio ad absurdum, admitindo que a noção de causa sui seja algo de fundamentalmente absurdo. Pois, não é o mundo exterior que é obra de nossos sentidos.

16.
Ainda há ingênuos acostumados à introspecção que acreditam que existem "certezas imediatas", por exemplo, o "eu penso" ou, como era a crença supersticiosa de Schopenhauer, o “eu quero”; como se nesse caso o conhecimento conseguisse apreender seu objeto pura e simplesmente, enquanto "coisa em si" sem alteração por parte do objeto e do sujeito. Afirmo que a "certeza imediata", bem como o "conhecimento absoluto" ou a "coisa em si" encerram uma contradictio in adjecto; seria pois, esta a ocasião de livrar-se do engano que encerram as palavras. O Vulgo acredita .que o conhecimento consiste em chegar ao fundo das coisas; por outro lado, o filósofo deve dizer-se: "Se analiso o processo expressado na frase ., eu penso", obtenho um conjunto de afirmações arriscadas, difíceis e talvez impossíveis de serem justificadas; por exemplo, que sou eu quem pensa, que é absolutamente necessário que algo pense, que o pensamento é o resultado da atividade de um ser concebido como causa, que exista um "eu"; enfim, que se estabeleceu de antemão o que se deve entender por pensar e que eu sei o que significa pensar. Pois se eu não tivesse antecipadamente respondido à questão por minha própria razão, como poderia julgar que não se trata de uma "vontade" ou de um "sentir"? Resumindo o exposto, este "eu penso" implica que comparo meu estado momentâneo com outros estados observados em mim para estabelecer o que é. posto que é preciso recorrer a um "saber de origem diferente", pois, "eu penso" não tem para mim nenhum valor de "certeza imediata". Em lugar dessa segurança em que o vulgo talvez venha a crer, o filósofo por seu lado não retira mais que um punhado de problemas metafísicos, de verdadeiros casos de consciência intelectuais que podem ser colocados da seguinte forma: De onde retiro minha noção de "pensar"? Por que devo crer na causa e no efeito? Com que direito posso falar de um "eu" e de um "eu" como causa e para cúmulo, causa do pensamento? Aquele que se atrever a responder imediatamente a estas questões metafísicas alegando uma espécie de intuição do conhecimento, como se faz quando se diz:. "eu penso e sei que isto pelo menos é verdade, que é real", com certeza provocará no filósofo de hoje um sorriso e uma dupla interrogação: "Senhor, dirá o filósofo, parece-me incrível que o senhor não se equivoque nunca, mas por que anseia por encontrar a verdade acima de tudo. sem limitação de esforços?"

17.
Quando se fala da superstição dos lógicos não deixo nunca de insistir num pequeno fato que as pessoas que padecem desse mal não confessam senão através de imposição. É o fato de que um pensamento ocorre apenas quando quer e não quando "eu" quero, de modo que é falsear os fatos dizer que o sujeito "eu" é determinante na conjugação do verbo "pensar". "Algo" pensa, porém não é o mesmo que o antigo e ilustre "eu", para dizê-lo em termos suaves, não é mais que uma hipótese, porém não, com certeza, uma certeza imediata. Já é demasiado dizer que algo pensa, pois esse algo contém uma interpretação do próprio processo. Raciocina-se segundo a rotina gramatical: "Pensar é uma ação, toda ação pressupõe a existência de um sujeito e portanto..." Em virtude de um raciocínio semelhante e até igual, o atomismo antigo que unia a "força atuante" à parte de matéria em que se encontra essa força, atua a partir desta: o átomo. Os espíritos mais rigorosos terminaram por desfazer-se deste último “resíduo terrestre" e inclusive pode chegar o dia em que os lógicos prescindam desse pequeno “algo” que ficará como resíduo ao evaporar-se o antigo e venerável "eu".

18.
Não é o menor dos encantos o fato de que uma teoria possa ser rebatida, pelo contrário, parece que a teoria mil vezes rechaçada do "livre arbítrio" deve sua sobrevivência apenas a essa qualidade, posto que sempre vemos surgir alguém disposto a refutá-la ainda.

19.
Os filósofos gostam de falar da vontade como se fosse a melhor coisa conhecida do mundo. Schopenhuer deu a entender inclusive que a vontade é algo que realmente distinguimos, algo perfeitamente reconhecido, sem demasia e sem falta, mas parece-me que Schopenhauer, neste como em outros casos seguiu a mesma rota que todos os filósofos: adotou e exagerou ao máximo um . preconceito popular. A vontade se me apresenta antes de mais nada, como algo complexo, algo que não possui outra unidade que seu nome e nesta unicidade de nome é precisamente onde encontra seu fundamento o preconceito que enganou a prudência sempre muito deficiente dos filósofos. Sejamos, pois, mais discretos, menos filósofos e admitamos que em cada vontade existe, antes de mais nada uma infinidade de sentimentos: o do estado do qual se quer sair, o do estado ao qual se tende, a sensação destas duas direções, ou seja "daqui" — "até lá"; enfim, uma sensação muscular que, sem chegar a pôr em movimento braços e pernas, toma parte dele assim que nos dispomos a "querer". Do mesmo modo que o sentir, um sentir multíplice, é evidente que um dos componentes da vontade, contém também um "pensar", em todo ato voluntário há um pensamento diretor e portanto, deve-se evitar a crença que se pode afastar esse pensamento do “querer” para obter um precipitado que continuaria sendo vontade. Em terceiro lugar a vontade não é apenas um conjunto de sensações e pensamentos, mas também e antes de tudo um estado afetivo, a emoção derivada do mando, do poderio. O que se chama "livre arbítrio" é essencialmente o sentimento de superioridade que se sente ante um subalterno. "Eu sou livre, ele deve obedecer", eis o que há no fundo de toda vontade, a certeza íntima que constitui o estado de ânimo de quem manda. Querer significa ordenar a algo em si mesmo que obedece ou, pelo menos, é considerado como obediente. Mas observemos agora a própria essência da vontade, essa coisa tão complexa para a qual o vulgo usa apenas uma palavra. Se fôssemos a um só tempo, aquele que manda e o que obedece, sentiríamos ao obedecer a impressão de que estávamos sendo obrigados, pressionados e simultaneamente impulsionados a resistir ao movimento, impressões que sequem imediatamente ao ato da volição; porém na medida em que, por outro lado, temos o costume de não fazer caso dessa ambivalência, de enganar-nos a seu respeito graças ao conceito sintético do eu", toda uma cadeia de conclusões errôneas e conseqüentemente, de falsas apreciações da vontade também se ligam ao querer. Como quem acredita de boa fé que basta querer para atuar, assim, na maioria dos casos, alguém se contentou em querer e como também se deve esperar o efeito da ordem, isto é, a obediência, o cumprimento do ato prescrito, a aparência se traduz pelo sentimento de que o ato deveria se produzir necessariamente. Em outras palavras, aquele que quer, acredita que querer e fazer se resumem numa única coisa. Para ele o êxito e a execução do querer são efeitos do próprio querer e esta crença torna mais forte o sentimento de poder, que ele sente, e que o êxito traz como companheiro. O "livre arbítrio": esta é a designação desse complexo estado de prazer do homem que quer, que manda, e que, ao mesmo tempo, se confunde com o que executa, gozando assim o prazer de superar obstáculos com a idéia de que é sua própria vontade que triunfa sobre as resistências. Assim pois, o ato voluntário soma, deste modo, ao prazer de dar uma ordem, o prazer do instrumento que o executa com êxito; à vontade são acrescentadas vontades "subalternas", almas subalternas e dóceis, pois nosso corpo não é mais que a habitação de muitas almas. L'effet c'est moi: acontece aqui o mesmo que em toda coletividade feliz e bem organizada; a classe dirigente se apropria dos êxitos da coletividade. Em todo querer se trata simplesmente de mandar e de obedecer dentro de uma estrutura coletiva complexa, constituída, como já disse, por "muitas almas". Portanto o filósofo deveria considerar o querer a partir do ângulo da moral, a moral como conceito de uma ciência dominante. Donde brota o fenômeno da vida.

20.
Dir-se-ia que os diferentes conceitos filosóficos não são nada arbitrários, que não se desenvolvem separadamente, mas que mantém certo parentesco. Precisamente por isso, ao fazer sua aparição na história do pensamento, não deixam de pertencer a um mesmo sistema, exatamente o mesmo que os diversos representantes da fauna do continente. É isso que se percebe na segurança com que os mais diferentes filósofos vêm a ocupar por sua vez seu posto dentro de um determinado esquema prévio das possíveis filosofias. Uma magia invisível os obriga a percorrer incessantemente a mesmo circulo, por mais independentes que se creiam, um dos outros, em sua
vontade de elaborar sistemas, algo os impulsiona a sucederem-se numa determinada ordem, que é, entretanto, a ordem sistemática inata dos conceitos de seu parentesco essencial. Na verdade, seu pensamento consiste menos em investigar que em reconhecer, recordar, voltar atrás, reintegrar uma zona muito antiga e distante da alma donde saíram esses conceitos que não procuram descobrir. A atividade filosófica nesse aspecto, é uma espécie de atavismo do mais elevado grau. A estranha similaridade que guardam entre si todas as filosofias indianas, gregas e alemãs, tem uma explicação simples. Efetivamente, quando há parentesco lingüística é inevitável que em virtude de uma filosofia gramatical, exercendo no inconsciente as mesmas funções gramaticais em domínio e direção, tudo se encontra preparado para um desenvolvimento análogo aos sistemas filosóficos, enquanto que o caminho parece fechado para quaisquer outras possibilidades de interpretação do universo. As filosofias do grupo lingüística uro-altaico (nas quais a noção de sujeito está pouco desenvolvida) provavelmente observaram e interpretaram o mundo com outros olhos e seguiram por caminhos diferentes dos indo-europeus ou muçulmanos. O fascínio que exercem certas funções gramaticais é, no fundo, o exercido por determinadas valorações fisiológicas e certas particularidades raciais. Isto para refutar as afirmações superficiais de Locke a respeito da origem das idéias.

21.
causa sui é a mais bela contradição já cogitada, uma espécie de violação e golpe mortal à lógica. Porém o orgulho ilimitado do homem conduziu-o a um emaranhamento cada vez maior no intrincado absurdo, o desejo do "livre arbítrio" entendido no sentido superlativo e metafísico que domina ainda (por desgraça, nos cérebros semi-cultivados) que é a necessidade de suportar a completa e absoluta responsabilidade de seus atos e não atribuí-la a Deus, ao mundo, à hereditariedade, à sorte, à sociedade, esta causa sui não é mais que a necessidade de ser alguém, e com esta audácia intrépida que supera à do barão de Münchhausen tenta tirar a si mesmo do pântano do nada puxando seus próprios cabelos e entrar na luz da existência. Se alguém chegasse a vislumbrar a néscia rusticidade do famoso conceito do "livre arbítrio" até chegar a afastá-lo do seu espírito, eu lhe rogaria que desse, mais um passo e afastasse de seu cérebro o contrário desse pseudo-conceito, isto é, o "determinismo", que conduz ao mesmo abuso das noções de causa e efeito. Não é preciso cometer o erro de tornar condicionados causa e efeito, como fazem os naturalistas (e todos que sequem seu método de pensar) segundo as cretinices mecanicistas em voga, que querem que toda causa impulsione e pressione até produzir um efeito. É conveniente entretanto, não se servir da “causa” e do “efeito” senão em termos de puros conceitos, ou seja, como ficções convencionais que servem para designar, para pôr-se de acordo, porém de modo algum para explicar alguma coisa. No "em si" não há nenhum vestígio de "nexo causal", de "necessidade", de "determinismo psicológico", o "efeito" não é conseqüência de nenhuma "causa" , nenhuma "lei" impera ali. Ninguém mais que nós foi o inventor de tais ficções como: a causa, a sucessão, a reciprocidade, a relatividade, a necessidade, o número, a lei, a liberdade, a razão, o fim, e quando introduzimos falsamente nas "coisas" este mundo de símbolos inventados, quando o incorporamos às coisas como se lhes, pertencesse "em si" mais uma vez, como sempre fizemos, criamos uma mitologia. Na verdade estamos frente à vontade forte ou fraca. Quando um pensador trata de descobrir de uma só vez em todo "encadeamento causal" algo que se pareça a uma frustração, a uma necessidade, a uma concatenação obrigada, a uma pressão, a um servilismo, é quase sempre sintoma de que há algo que falha no ente em questão e ao sentir deste modo é inquestionável que a personalidade ali se desvele. Deste modo geral. Se minhas observações são exatas o problema do determinismo é considerado a partir de dois aspectos absolutamente diferentes, porém sempre de modo absolutamente subjetivo, uns, não querendo dividir a "responsabilidade" de sua crença em si mesmos, seu direito pessoal, produto de Seu próprio mérito (caso das castas vaidosas); outros, contrariamente, recusando toda responsabilidade, impulsionados pelo desprezo de si mesmos e ansiosos de livrar-se sem considerar sobre quem ou onde caia a pesada carga de seu eu. Quando estes escrevem livros tendem a empreender a defesa dos malfeitores, seu disfarce mais sutil é simular uma espécie de socialismo da piedade e, natural e efetivamente, o fatalismo dos fracos de vontade é maravilhosamente embelezado quando consegue apresentar-se como "religion de la souffrance humaine". Este é, sem dúvida, seu modo peculiar de demonstrar seu "bon goút".

22.
Perdoem a esse velho filólogo que sou, se não renuncia a abdicar do maligno prazer que representa pôr o dedo na chaga das explicações errôneas, de vossas fraquezas filológicas. Porque, em verdade, esse mecanismo das "leis da natureza", de que vós, físicos, falais com tanto orgulho, não é um fato nem um texto, mas uma composição ingenuamente humana dos fatos, uma deturpação do sentido, uma adulação servil à habilidade dos instintos democráticos da alma moderna. "Em todas as partes, igualdade diante da lei, a este respeito, a natureza, não foi melhor tratada que nós". Sedutora segunda intenção que encobre mais uma vez o ódio da plebe contra toda marca de privilégio e de tirania, bem como uma segunda forma mais sutil de ateísmo. "Ni Dieu, ni maitre". Vós também desejais que assim seja e por isso gritais: "Vivam as leis da natureza!" Porém, repito, isto é interpretação e não texto. Poderia surgir alguém com intenções opostas e com muitos outros artifícios de interpretação que decifrasse, nesta própria natureza e partindo dos mesmos fenômenos, o mistério do triunfo brutal e desapiedado de vontades tirânicas, quando este novo intérprete nos revelaria a "vontade de potência" em sua realidade e em sua força absoluta até que todas as palavras seriam inutilizáveis e inclusive a palavra “tirania” pareceria um eufemismo. Este filósofo acabaria, contudo, por afirmar, relativamente a este mundo, o mesmo que vós, isto é, que tem um curso "necessário", "previsível" não pelo fato de estar submetido a leis, mas pela absoluta inexistência de leis e porque a força a cada instante, vai até a última de suas conseqüências. Mas como isso não é mais que uma interpretação, já sei que objetareis: pois bem, tanto melhor!

23.
Toda a psicologia manteve-se vinculada, até hoje, a preconceitos e apreensões de ordem moral; não ousou adentrar em suas profundezas. Concebê-la, como eu o faço, sob as espécies de uma morfologia e de uma genética da vontade de potência, é uma idéia que ninguém abordou nem mesmo superficialmente, suponho que, partindo que se escreveu seja possível adivinhar o que permaneceu em silêncio. A poderosa força dos preconceitos morais penetrou profundamente no
círculo da espiritualidade pura, aparentemente a mais fria e desprovida de idéias preconcebidas e, como é natural, influiu nela — de modo prejudicial — uma ação paralisadora, deslumbrante e deformante. Uma psicofisiologia autêntica se choca contra resistências inconscientes no coração do investigador. A simples teoria da interdependência dos instintos "bons" e maus" parece um refinamento de imoralidade e desperta o perigo e o desgosto inclusive numa consciência valente e vigorosa. E a desgosto é maior ante a doutrina que faz derivar os bons instintos dos maus, Admitindo, todavia, que existe alguém que chega a considerar como paixões essenciais da vida ao ódio, inveja, cobiça e comando, como principias fundamentais da vida, como algo que lia economia de vida deve existir fundamental e essencialmente e que por conseguinte deve ser ainda intensificado se se deseja intensificar a vida, este homem sofrerá algo como um enjôo devido à orientação de seu próprio juízo. Contudo esta hipótese não é mais penosa e a mais estranha, neste imenso domínio quase virgem do conhecimento, do qual todos têm mil e uma boas razões para se manterem à distância..., se podem. Nosso barco sofre a tormenta! Serremos os dentes! Vigilantes! Firmes no leme! Naveguemos em linha reta acima da moral! Porém, apesar de tudo decidisses conduzir vossa nau a essas praias, então só vos resta o remédio de manter esse valor, ficar alerta e manter firme o timão. Que importa nosso destino! Nunca até agora encontraram os navegantes, intrépidos e aventureiros — um mar de conhecimentos mais profundos e o psicólogo que faz tais "sacrifícios" (este não é o sacrilizio dell'intelletto) reclamará como próprio o direito de que a psicologia seja de novo instaurada como rainha das ciências, aquela à qual as demais ciências têm a "obrigação" de servir e preparar, pois a psicologia se converteu de novo no caminho que condiz aos problemas fundamentais.

O problema de Sócrates



Fonte: Crepúsculo dos Ídolos.
1.

Em todos os tempos os grandes sábios sempre fizeram o mesmo juízo sobre a vida: ela não vale nada... Sempre e por toda parte se escutou o mesmo tom saindo de suas bocas. Um tom cheio de dúvidas, cheio de melancolia, cheio de cansaço da vida, um tom plenamente contrafeito frente a ela. O próprio Sócrates disse ao morrer: "viver significa estar há muito doente - eu devo um galo a Asclépio curador". O próprio Sócrates estava enfastiado da vida. O que isso demonstra? Para onde isso aponta? Outrora teria-se dito (ó! Disse-se e forte o suficiente; e avante nossos Pessimistas!): "Em todo caso é preciso que haja algo verdadeiro aqui! O consensus sapientium prova a verdade." Ainda falaremos hoje desta forma? Nós temos o direito a um tal discurso? "Em todo caso é preciso que algo esteja doente aqui" - eis a nossa resposta. Em primeiro lugar temos de observar mais de perto esses mais sábios de todos os tempos! Todos eles talvez não estivessem tão firmes sobre as pernas? Talvez estivessem atrasados? Cambaleantes? Decadentes? Talvez a sabedoria apresente-se sobre a terra como um corvo, ao qual um pequeno odor de carniça entusiasma?...

2.

Esta irreverência de asseverar que os grandes sábios são tipos decadentes abriu-se para mim mesmo exatamente em uma circunstância na qual mais intensamente o preconceito erudito e não-erudito se lhe contrapunha. Reconheci Sócrates e Platão como sintomas de declínio, como instrumentos da decomposição grega, como falsos gregos, como antigregos ("Nascimento da Tragédia" 1872). Aquele consensus sapientium - isto fui compreendendo cada vez melhor - não prova sequer minimamente que eles tinham razão quanto ao que concordavam. O consenso demonstra muito mais que eles mesmos, esses mais sábios, possuíam entre si algum acordo fisiológico para se colocar frente à vida da mesma maneira negativa - para precisar se colocar frente a ela desta forma. Juízos, juízos de valor sobre a vida, a favor ou contra, nunca podem ser em última instância verdadeiros: eles só possuem o valor como sintoma, eles só podem vir a ser considerados enquanto sintomas. Em si, tais juízos são imbecilidades.É preciso estender então completamente os dedos e tentar alcançar a apreensão dessa finesse admirável, que consiste no fato de o valor da vida não poder ser avaliado. Não por um vivente, pois ele é parte, mesmo objeto de litígio, e não um juiz; não por um morto, por uma outra razão. -Da parte de um filósofo, ver um problema no valor da vida permanece por conseguinte uma objeção contra ele, um ponto de interrogação quanto à sua sabedoria, uma falta de sabedoria. Como? E todos esses grandes sábios? - Eles não seriam senão decadentes, eles não teriam sido sequer uma vez sábios? Mas eu retorno ao problema de Sócrates.

3. 
Segundo sua origem, Sócrates pertence à camada mais baixa do povo. Sócrates era plebe. Sabe-se, ainda se pode até mesmo ver, quão feio ele era. Mas a feiúra, em si uma objeção, é entre os gregos quase uma refutação. Sócrates era afinal de contas um grego? Muito freqüentemente, a feiúra é a expressão de um desenvolvimento cruzado, emperrado pelo cruzamento. Em outros casos, ela aparece como desenvolvimento decadente. Os antropólogos dentre os criminalistas dizem-nos que o criminoso típico é feio: monstrum infronte, monstrum in animo. Mas o criminoso é um décadent. Sócrates era um típico criminoso? Ao menos não o contradiz aquele famoso juízo-fisionômico que soava tão escandaloso aos amigos de Sócrates. Um estrangeiro, que entendia de rostos, disse certa vez na cara de Sócrates, ao passar por Atenas, que ele era um monstro e escondia todos os vícios e desejos ruins em si. E Sócrates respondeu simplesmente: "Vós me conheceis, meu Senhor!"

4.

Em Sócrates, a desertificação e a anarquia estabelecidas no interior dos instintos não são os únicos indícios de décadence: a superfetação do lógico e aquela maldade de raquítico, que o distinguem, também apontam para ela. Não nos esqueçamos mesmo daquelas alucinações auditivas que, sob o nome de o "Daimon de Sócrates", receberam uma interpretação religiosa. Tudo nele é exagerado, bufão, caricatural. Tudo é ao mesmo tempo oculto, cheio de segundas intenções, subterrâneo. - Procuro compreender de que idiossincrasia provém essa equiparação socrática entre Razão = Virtude = Felicidade: essa equiparação que é, de todas as existentes, a mais bizarra, e que possui contra si, em particular, todos os instintos dos helenos mais antigos.

5.

Com Sócrates, o paladar grego transforma-se em favor da dialética: o que acontece aí propriamente? Acima de tudo é um gosto nobre que cai por terra. A plebe ascende com a dialética. Antes de Sócrates, recusavam-se as maneiras dialéticas na boa sociedade: elas valiam como más maneiras, elas eram comprometedoras. Advertia-se a juventude contra elas. Também se desconfiava de todo aquele que apresentava suas razões de tal modo. As coisas honestas, tal como as pessoas honestas, não servem suas razões assim com as mãos. É indecoroso mostrar os cinco dedos. O que precisa ser inicialmente provado tem pouco valor. Onde quer que a autoridade ainda pertença aos bons costumes, onde quer que não se "fundamente", mas sim ordene, o dialético aparece como uma espécie de palhaço: ri-se dele, mas não se o leva a sério. - Sócrates foi o palhaço que se fez levar a sério: o que aconteceu aí propriamente?

6.

Só se escolhe a dialética, quando não se tem mais nenhuma outra saída. Sabe-se que se suscita desconfiança com ela, que ela é pouco convincente. Nada é mais facilmente dissipável do que um efeito dialético: a experiência de toda e qualquer reunião na qual se conversa, o prova. Ela só serve como saída drástica nas mãos daqueles que não possuem nenhuma outra arma. É preciso que se tenha de estabelecer à força o seu direito: antes disto não se faz uso algum dela. Por isso, os judeus eram dialéticos; Reinecke Fucks era dialético. Como? Sócrates também o era?

7.

-A ironia de Sócrates é uma expressão de revolta? De ressentimento da plebe? Ele goza enquanto oprimido de sua própria ferocidade nas estocadas do silogismo? Ele vinga-se dos nobres que fascina? ­À medida que se é um dialético, tem-se um instrumento impiedoso nas mãos. Com ele podemos cunhar tiranos e ridicularizar aqueles que vencemos. O dialético lega ao seu adversário a necessidade de demonstrar que não é um idiota: ele o deixa furioso, mas ao mesmo tempo desamparado. O dialético despotencializa o intelecto de seu adversário. Como? A dialética é apenas uma forma de vingança em Sócrates?

8.

Eu dei a entender o que fez com que Sócrates pudesse se tornar repulsivo: permanece tanto mais a ser esclarecido o fato de ele ter podido produzir fascínio. Por um lado, Sócrates foi o pioneiro na descoberta de um novo tipo de Agon: para o círculo nobre de Atenas, ele foi o seu primeiro mestre de armas. Ele fascinou, à medida que tocou no impulso agonístico dos helenos e que trouxe uma variante para o cerne do embate entre os homens jovens e os rapazinhos. Sócrates também foi um grande erótico.

9.

Mas Sócrates desvendou ainda mais. Ele olhou por detrás de seus atenienses nobres; ele compreendeu que seu caso, a idiossincrasia de seu caso, já não era nenhuma exceção. O mesmo tipo de degenerescência já se preparava em silêncio por toda parte. A velha Atenas caminhava para o fim. - E Sócrates entendeu que todo o mundo tinha necessidade dele: de sua mediação, de sua cura, de seu artifício pessoal de autoconservação... Por toda parte os instintos estavam em anarquia; por toda parte estava-se cinco passos além do excesso; o "monstrum in animo" era o perigo universal. "Os impulsos querem fazer-se tiranos; precisa-se descobrir um antitirano, que seja mais forte"... Quando aquele fisionomista revelou a Sócrates quem ele era, uma caverna para todos os piores desejos, o grande irônico ainda deixou escapar uma palavra, que deu a chave para compreendê-lo. "Isto é verdade, disse ele, mas me tornei senhor sobre todos estes desejos." Como Sócrates se assenhorou de si mesmo? -No fundo o seu caso foi apenas o caso extremo; apenas o caso mais distintivo disto que outrora começou a se tornar a indigência universal: o fato de ninguém mais se assenhorar de si, de os instintos se arremeterem uns contra os outros. Ele fascinou como este caso extremo - sua feiúra apavorante o comunicava a todos os olhares: ele fascinou, como segue de per si, ainda mais intensamente enquanto resposta, enquanto solução, enquanto aparência de cura para este caso. ­

10.

Se se tem necessidade de fazer da razão um tirano, como Sócrates o fez, então o risco de que outra coisa faça-se tirano não deve ser pequeno. A racionalidade aparece outrora enquanto Salvadora; nem Sócrates, nem seus "doentes" estavam livres para serem racionais. Ser racional foi o seu último remédio. O fanatismo, com o qual toda a reflexão grega se lança para a racionalidade, trai uma situação desesperadora. Estava-se em risco, só se tinha uma escolha: ou perecer, ou ser absurdamente racional... O moralismo dos filósofos gregos desde Platão está condicionado patologicamente; do mesmo modo que sua avaliação da dialética. A equação Razão = Virtude = Felicidade diz meramente o seguinte: é preciso imitar Sócrates e estabelecer permanentemente uma luz diurna contra os apetites obscuros -a luz diurna da razão. É preciso ser prudente, claro, luminoso a qualquer preço: toda e qualquer concessão aos instintos, ao inconsciente conduz para baixo...

11.

Dei a entender o que fez com que Sócrates exercesse fascínio: ele parecia ser um médico, um salvador. Faz-se ainda necessário indicar o erro que repousava em sua crença na “racionalidade a qualquer preço”? - Imaginar a possibilidade de escapar da décadence através do estabelecimento de uma guerra contra ela é já um modo de iludir a si mesmo criado pelos filósofos e moralistas. O escape está além de suas forças: o que eles escolhem como meio, como salvação, não é senão uma nova expressão da décadence. Eles transformam sua expressão, mas não a eliminam propriamente. Sócrates foi um mal-entendido. Toda moral fundada no melhoramento, também a moral cristã, foi um mal-entendido...
A luz diurna mais cintilante, a racionalidade a qualquer preço, a vida luminosa, fria, precavida, consciente, sem instinto, em contraposição aos instintos não se mostrou efetivamente senão como uma doença, uma outra doença. - Ela não concretizou de forma nenhuma um retorno à "virtude", à "saúde", à felicidade... Os instintos precisam ser combatidos esta é a fórmula da décadence. Enquanto a vida está em ascensão, a felicidade é igual aos instintos.

12.

Ele mesmo compreendeu isso, este que foi o mais prudente de todos os auto-ludibriadores? Ele soube dizer isto por fim a si mesmo em meio à sabedoria de sua coragem diante da morte?... Sócrates queria morrer. Não foi Atenas, mas ele quem deu para si o cálice com o veneno. Ele impeliu Atenas para o cálice com o veneno... "Sócrates não é nenhum médico, falou ele silenciosamente para si mesmo: apenas a morte é aqui a médica... O próprio Sócrates só estava há muito doente..."

A era do oportunismo



Fonte: Estadão em 09/02/2012

As últimas semanas trazem acontecimentos reveladores de um aspecto peculiar da “luta política” no Brasil, como a entendem o PT e o governo que ele lidera. Poderia ser resumido em dois conceitos: o relativismo como ideologia e a tática de recolher dividendos políticos sem se envolver diretamente, tirando, como se diz, a castanha do fogo com a mão do gato.
A moral da fábula do macaco esperto, que, faminto, mandava o bichano recolher as castanhas das brasas, esteve visível nos sucessivos movimentos na USP. A chamada extrema esquerda desencadeou ações violentas, e o petismo saiu a criticar a “falta de diálogo” e a “falta de democracia”, que supostamente estariam na raiz dos distúrbios.
De olho no voto moderado, o PT não quer para si os ônus do radicalismo ultraminoritário, mas pretende sempre recolher os bônus de apresentar-se como a solução ideal para evitar essa modalidade de movimento político. Como se, em algum lugar do mundo ou momento da história, o extremismo, de direita ou de esquerda, tivesse sido contido apenas com diálogo e negociação. É um discurso conveniente, pois se apresenta como alternativa “racional” de poder. Uma vez lá, os tais movimentos serão cooptados na base da fisiologia e, se necessário, da repressão. Os críticos exigirão “coerência”, e o partido fará ouvidos moucos.
Mas a vida é mais complicada do que esses esquemas espertos. À medida que vai acumulando força, o PT precisa lidar com desafios concretos, e aí surge a utilidade do relativismo. Querem um exemplo? Quando um governante adversário cuida de garantir o cumprimento da lei e de manter a ordem pública, o aparato de comunicação sustentado com verbas públicas sai a campo para denunciá-lo, atacá-lo, desgastá-lo a qualquer custo. Quando, no entanto, esse governante é do PT ou aliado próximo, a posição inverte-se.
Se o adversário cumpre a lei, é acusado de “criminalizar os movimentos sociais”; quando um deles cumpre a mesma lei, então são eles a criminalizar. Assim, os PMs em greve na Bahia governada pelo PT são chamados de “bandidos”. Cadê o exercício do entendimento, a tolerância? Em São Paulo, em 2008, o PT ajudou na organização de uma marcha de policiais civis grevistas em direção ao Palácio dos Bandeirantes — marcha que, felizmente, não atingiu os objetivos sangrentos almejados.
Em estados governados pelo petismo e aliados, são rotineiras as reintegrações de posse, mas quando precisa acontecer em São Paulo, por exemplo, a mando da Justiça e sempre sob a sua supervisão, o PT – e eis de novo a história das castanhas – cavalga o extremismo alheio para denunciar inexistentes violações sistemáticas dos direitos humanos. Nunca ofereceu uma possível solução ao problema social específico, mas apresenta-se incontinenti quando sente a possibilidade de sangue humano ser vertido e transformado em ativo político.
Vivemos uma era em que o oportunismo político do PT acabou ganhando o status de virtude. Perde-se qualquer referência universal ou moral de certo e errado, e essa separação é substituída por outra. Se é o partido quem faz, tudo será sempre correto — os fins justificam os meios, seja lá quais forem esses fins. Se é o adversário, tudo estará sempre errado, pois suas intenções sempre seriam viciosas. A política torna-se definitivamente amoral.
É uma lógica que acaba derivando para o cômico em algumas situações. No atual governo, os ministros foram divididos em duas classes. Alguns são blindados, podem dar de ombros quando são alvos de acusações; outros são lançados ao mar sem muita cerimônia. Quando é do PT, especialmente se for do grupo próximo, a proteção é altíssima. Mas, se tiver a sorte menor de ser apenas um “aliado” — conceito que embute a possibilidade de se tornar futuramente um adversário —, logo aparecem os vazamentos dando conta de que “o Palácio” mandou o infeliz explicar-se no Congresso, a senha para informar aos leões que há carne fresca na arena.
Essa amoralidade essencial estende-se às políticas públicas. Em 2007, quando governador de São Paulo, aflito com o congestionamento aeroportuário, propus ao presidente Lula e sua equipe a concessão à iniciativa privada de Viracopos, cujo potencial de expansão é imenso. Nada aconteceu. Na campanha eleitoral de 2010, a proposta de concessões foi satanizada. Pois o novo governo petista adotou-a em seguida! Perdemos cinco anos! E adotou-a privatizando também o capital estatal: o governo torna-se sócio minoritário (49% das ações) e oferece crédito subsidiado (pelos contribuintes, é lógico) do BNDES. Tudo o que era pra lá de execrado passou a ser “pragmatismo”, “privatização de esquerda”.
O ridículo comparece também à internet, onde a tropa de choque remunerada, direta ou indiretamente, com dinheiro público e treinada para atacar a reputação alheia desperta ou se recolhe em ordem unida, não conforme o tema, mas segundo os atores. São os indignados profissionais e seletivos. Como aquelas antigas claques de auditório, seguindo disciplinadamente as placas que alternam “aplaudir”, “silenciar” e “vaiar”.
Vivemos tempos complicados, um tanto obscuros, algo assim como “se Deus está morto tudo é permitido” — e chamam de “pragmatismo” o oportunismo deslavado. A oposição, a despeito de notáveis destaques individuais, confunde-se no jogo, dado o seu modesto tamanho, mas também porque alguns são sensíveis aos eventuais salamaleques e piscadelas dos donos do poder. Um adesismo travestido de “sabedoria”. A política real vai se reduzindo a expedientes necessários à manutenção do poder e à mitigação do apetite dos aliados. A conservação do statu quo supõe uma oposição não mais do que administrativa e burocrática. Parece que a nova clivagem da vida pública é esta: estar ou não na base aliada, de sorte que a política se definiria entre os que são governo e os que um dia serão.
Não sou o único que pensa assim, mas sou um deles: política também se faz com princípios, programa e coerência. E disso não se pode abrir mão, no poder ou fora dele.

Paulo Ghiraldelli - O picareta da filosofia



Por Luis Nassif
A Internet incorporou a presença do «troll». Trata-se do sujeito sem expressão que aproveita o espaço para provocações, buscando a evidência pela agressão. Como regra geral, são indivíduos inexpressivos, alguns francamente desequilibrados, com evidente necessidade de auto-promoção.
É o caso de um sujeito chamado Paulo Ghiraldelli, que se apresenta como «o filósofo de São Paulo». Não pretendia perder tempo com ele, mas exorbitou.
Nos últimos dias dedicou-se com um fervor freudiano a ataques e mais ataques contra mim, pelo Twitter, blogs, emails.
Vamos primeiro às acusações, depois às motivações.
Sua acusação é de que recebo dinheiro do PT. É  manipulação grosseira.
; Assinei um contrato com a Empresa Brasil de Comunicações (EBC), da TV Brasil, para produzir um programa semanal de uma hora, sobre temas de políticas públicas. As condições estabelecidas foram similares às que eu tinha com a TV Cultura de São Paulo e também  com o Canal Rural, do grupo RBS.
A remuneração contempla a apresentação, a criação e as pautas do programa e também uma equipe de jornalistas da Dinheiro Vivo, incumbidos de alimentar o portal de Internet, montando a interação com a televisão.
A TV Brasil obedece a um Conselho composto por integrantes da sociedade civil, sem cor partidária.
Enfim, todas as condições que legitimam o contrato.
A troco de quê esse Ghiraldelli deturpa uma informação e move uma campanha  desequilibrada, a ponto de me taxar de «bandido» em um meio de grande circulação como o Twitter? Terá oportunidade de explicar na Justiça, em breve, pois estou movendo ação civel e criminal contra ele.
Mas vamos entender a motivação desse senhor – além da obsessão em conquistar alguma projeção com essa campanha.
Tempos atrás li um artigo dele na página 2 do Estadão. Foi um período de intensa escatalogia da mídia, promovendo autores da mais ampla mediocridade desde que oferecessem aos jornais o produto pedido: crítica destrambelhada contra Lula.
O artigo de Ghiraldelli se destacava pelo baixo nível. Fiquei curioso em saber de quem se tratava. Procurei no Google e fui dar em seu site.
Ali, para minha surpresa, havia páginas em que ele louvava... o Ministro da Educação Fernando Haddad, inclusive aparecendo em várias fotos com ele. No Estadão, uma crítica baixa; no site, uma louvação vergonhosa. Nas fotos com Haddad ou no banner do portal, um narciso deslumbrado com o próprio retrato, como se estivesse mirando no espelho na hora de tirar a foto (confira o tipo na imagem abaixo).
Não foi a única surpresa. Lá, fiquei sabendo de uma polêmica com o jornalista-filósofo Olavo de Carvalho. O ponto central era a compulsão do «filósofo de São Paulo» em mostrar a própria mulher nua. Casou-se com uma moça bem mais nova. Olavo escrevera um artigo espantado com aquele exibicionismo de quem se intitulava filósofo. A resposta do tal Ghiraldelli  era a de que quem tinha mulher bonita, tinha mais que mostrá-la.
Havia mais, uma montanha de vídeos com aulas que mais pareciam cursos de auto-ajuda.
Escrevi um post alertando o Estadão para a aberração que promovera a colunista da nobre página 2.
Não sei qual a reação do Estadão. Mas não me lembro de ter lido mais nenhum artigo desse Ghiraldelli no jornal.
Tempos depois, ele se cadastra no Portal Luís Nassif. Estranhei, mas autorizei o cadastramento.
Os demais membros do Portal iam me reportando sua atividade. No início, tentativa de aliciar membros do Portal para sua comunidade. Depois, fotos da esposa nua. Em determinado dia recebo mensagem dele perguntando se já aceitava que mostrasse a mulher pelada. Àquela altura, muitos membros do Portal reclamavam da falta de compostura do tal «filósofo de São Paulo».
Bloqueei seu acesso ao Portal. Logo em seguida cadastrou-se um tal de "Menina Virgem" - codinome da esposa do sujeito. Bloqueada também.
Desde então, periodicamente ensaia ataques através do Twitter.
Peço aos amigos que receberam o email desse tal «filósofo de São Paulo» - parece que se valeu de listas de educadores para espalhar o lixo – que ajudem a espalhar essa resposta. 
Clique aqui para ler a relação dos Blogs de Ghirardelli, segundo ele próprio. Entre eles, o "Elas e Elas", onde coloca vídeos pornográficos.

Fonte:http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-caso-do-filosofo-ghiraldelli via Big John o lendário no Facebook. (colaborador oposicionista da direção desse blog)

Dica de cinema

Homens e Deuses

Inspirado em fatos reais, ocorridos na Argélia em 1996, "Homens e Deuses", do diretor francês Xavier Beauvois ("O Pequeno Tenente"), sustenta a tensão da crônica de uma morte anunciada. Mas o cineasta empenha-se de tal maneira em aprofundar um perfil de seus personagens, monges católicos sitiados pelo fundamentalismo islâmico, que seu filme torna-se um libelo pela tolerância.


Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2010, "Homens e Deuses" detalha a vida despojada destes religiosos que, liderados pelo prior Christian de Chergé (Lambert Wilson, de "Um Plano Brilhante"), dedicam seu tempo a orações, cânticos e trabalho agrícola, numa atmosfera de silêncio e contemplação.
A atitude ascética não os impede de atender a necessidades mais urgentes da empobrecida população local, que faz diariamente enormes filas para procurar o irmão Luc (Michael Lonsdale, de "A Questão Humana"), único médico e fornecedor de remédios num raio de centenas de quilômetros na cordilheira do Atlas.
Com inteligência sutil, o filme permite que se reflita sobre essa benevolência do Ocidente diante das populações do antes chamado Terceiro Mundo - que a França, entre outros países, colonizou, instituindo um modelo de dependência e pobreza em diversas dessas ex-colônias, inclusive a Argélia. Quem verbaliza este sentimento, não por acaso, é o prefeito local, que não esconde a rejeição aos franceses, monges ou não.

Editorial


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